Lagos, a cidade onde vivo, tem cerca de 4000 anos, e ao longo desses anos todos sofreu grandes alterações, quase todas ligadas de alguma forma ao oceano.
Nasceu porque era um bom sítio para reparar e abastecer barcos, cresceu por causa do tráfego marítimo entre o Extremo Oriente e o Norte da Europa, decaiu por causa de um grande sismo e da guerra contra Roma, voltou a crescer porque os romanos fizeram dela um pólo de salga de peixe, voltou a cair quando os romanos foram derrotados e atingiu o ponto mais baixo durante o domínio dos muçulmanos, devido í pirataria no mar. Voltou a crescer quando começaram os Descobrimentos Portugueses, voltou a cair por causa da perda da independência para os reis Filipes de Espanha e devido ao Sismo de 1755. Desenvolveu-se novamente no Século 19 como pólo industrial de enlatamento de peixe, e entrou outra vez em declínio quando as fábricas fecharam depois da Segunda Guerra Mundial. Voltou a crescer quando os turistas começaram a visitar as praias, e é devido ao turismo que se tem desenvolvido nos últimos tempos.
Se o futuro da cidade está ligado ao futuro do oceano, então Lagos está em má situação, porque tem virado as costas ao oceano. Não tem um porto decente que permita apanhar as tão almejadas rotas de cruzeiros, nem monumentos importantes ou outros pontos de atracção para chamar os turistas de cruzeiro. Também não tem infraestruturas portuárias para captar navios de mercadorias, nem um tecido industrial ou extractivo que justificasse tal desenvolvimento.
A principal actividade tradicional, a indústria da pesca, já não tem muita importância, primeiro porque já se extinguiram as fábricas de transformação, que permitiam dar valor ao produto base, segundo devido ás facilidades de transporte que permitem a importação rápida e pouco dispendiosa de produtos de pesca de países tão distantes como a China, e terceiro devido í s leis ambientais que condicionam a actividade de forma a torná-la mais sustentável para a vida marinha. Dito de outra forma, a pesca está em crise, e apenas se mantém praticamente para abastecer uma (cada vez mais idosa e menor) parte da população de Lagos que ainda compra o peixe fresco, e os restaurantes que servem os turistas.
Portanto, Lagos não tem movimento comercial de grande porte, e a pesca está em decadência; as duas únicas actividades ligadas ao mar que restam são a utilização da praia por turistas, e o tráfego comercial de pequenas dimensões, ou seja, embarcações turísticas privadas, quer de uso pessoal (iates, barcos de pesca) ou uso empresarial (embarcações de dimensões pequenas e médias nas quais se praticam actividades turísticas, como festas, observação de monumentos humanos ou naturais, ou desporto). Estas duas últimas vertentes têm um peso enorme, constituindo uma imagem de marca da cidade - Lagos é conhecida principalmente pelas suas praias, e em segundo plano pelos seus monumentos históricos e pela marina.
Desta forma, não é difícil verificar como a cidade é absolutamente dependente do turismo. Caso este entrasse numa acentuada decadência por qualquer motivo, a cidade iria sofrer bastante, algo que aconteceria igualmente com o Algarve inteiro e em grande parte do país. E ameaças ao turismo não faltam - concorrência de outros destinos, crises económicas, problemas naturais, etc.. Lagos, como o resto do Algarve, tem sobrevivido especialmente devido ao desenvolvimento das infra-estruturas de transporte, nomeadamente das vias rodoviárias, e a uma redução massiva de preços para se manter competitiva. Alguém que visite Albufeira ou Lagos ou Quarteira dificilmente acreditará que o Algarve já foi um destino de elite, um sítio onde só ia quem tinha possibilidades para gastar muito dinheiro em alojamento e transporte. Ainda existem locais desses no Algarve, como o Vale do Lobo, mas são uma minoria em relação ao massivo número de alojamentos disponíveis a preços ridiculamente baixos.
Entra-se assim num ciclo vicioso - preços mais baixos atraem mais pessoas, mas em geral essas pessoas são menos exigentes, reduzindo a qualidade do serviço prestado. Serviços mais simples são mais fáceis de criar e manter, possibilitando assim o crescimento da concorrência, voltando-se í guerra dos preços. Como resultado final, a qualidade é quase totalmente sacrificada, criando-se assim uma rede de estabelecimentos de serviço básico a preços diminutos. Isto reduz a classificação geral da zona, que passa a ser considerada de baixo valor (denominada normalmente de "budget"), alienando os turistas mais exigentes.
Assim, para manter um nível de lucro aceitável para manter o negócio, em vez de serviço elevado a poucas pessoas, apela-se a serviço baixo a muitas pessoas. Ora, Lagos nunca foi planeada para albergar um grande número de pessoas. Como consequência, não existem serviços suficientes, como transportes, venda de alimentação, combustíveis, manutenção de electricidade, saneamento básico restauração, etc., para acomodar decentemente este grande número, pelo que a capacidade existente tem de ser ampliada, muitas vezes de forma insatisfatória, sem um planeamento cuidado, tendo já atingido diversas vezes um ponto de ruptura, resolvido através de soluções temporárias que costumam ser pouco adequadas, e que muitas vezes ultrapassam os trâmites legais de segurança ou dos direitos dos trabalhadores.
Dito isto, qual é o futuro de Lagos? O futuro de Lagos será o mesmo do Algarve, ou seja, manter o turismo a todo o custo, porque está totalmente dependente desta actividade. Felizmente, felizmente, o número de turistas tem aumentado, devido ao processo descrito acima, de reduzir a qualidade para atingir preços mais baixos. O problema é que em muitos casos a qualidade já atingiu o limiar mínimo de aceitabilidade, e a guerra dos preços já leva muitos negócios ao limite da sua sustentabilidade financeira para poder subsistir. Mesmo uma pequena redução na procura turística seria devastadora, se se verificasse na época alta.