Os Ritos de Taiguará



Capítulo II - A Árvore

Antes que alguém pergunte, não havia problema nenhum em tirar uma “folguinha” do trabalho desse jeito. Essa era uma das grandes vantagens de se trabalhar num ambiente amigável como aquele. Cada um possuía o seu próximo ritmo e todos eram respeitados. Não era raro, por exemplo, eu estar madrugando lá na companhia de mais alguém, como era o caso de Érica, que cursava Arquitetura numa cidade ao lado, e estagiava no estúdio a fim de arrecadar fundos para pagar a moradia. Esta era companheira freqüente de trabalho nos piores horários, já que de dia estava na Faculdade e freqüentemente se via atarefada com os trabalhos do seu curso.

Eram por volta de duas da tarde, e eu já estava naquela estrada novamente. Não havia notado, devido à escuridão da noite passada, o quão desolada era aquela paisagem. Cenário perfeito para uma história de terror, de viajantes incautos que se encontram perigosamente sozinhos apenas esperando para que algo de errado aconteça. Na verdade um verdadeiro clichê, ainda hoje aproveitado por escritores inexperientes... Dessa vez não estava controlando a minha velocidade, e ia a toda deixando um rastro inconfundível pra trás. Em cerca de 10 minutos cheguei àquela casa destruída pela idade, e foi nesse ponto que realmente me dei conta da besteira que estava fazendo. Mas agora já era tarde, não iria até lá pra dar as costas e voltar sem ao menos bater na porta.

E assim fui, segui pelo acidentado trecho até que cheguei a frente da casa. Apesar de já estar bastante velha, a casa parecia ter sido muito bonita. Ela tinha um ar clássico, raro de se ver por aquelas bandas. Por dentro, talvez fosse até uma morada agradável, se bem cuidada. Respirei fundo e bati à porta. Sem respostas. Bati novamente e dessa vez tive a sensação de ter escutado algum som vindo de dentro dela. Mas novamente ninguém veio atender. Dei a volta e segui por um descampado até os fundos da casa. Nada de especial havia lá, a não ser um balanço meio que destruído balançando a mercê do vendo, rangendo fracamente. Mas o que mais chamou a atenção era a quantidade de árvores que seguiam rumo a uma montanha próxima, formando uma floresta bastante densa, praticamente a partir daquele ponto.

Bem, já estava claro que não havia ninguém lá, e foi quando eu ia dando a volta pela casa que vi um amontoado de poeira se formando na estrada, já bem próximo, denunciando que algum carro estava prestes a chegar à casa. Sei lá porquê, mas fiquei meio que escondido observando. O carro passou reto, mas diminuiu a velocidade quando passou do lado do meu. Provavelmente não era muito comum um carro estacionado assim neste lugar inóspito.

E fui embora. Uma chuva já se anunciava a algum tempo, e aquela estrada não era das mais seguras. Era hora de voltar e trabalhar. Que idéia estúpida essa de ter ido até a casa...

Quando voltei ao estúdio fiquei sabendo que Lucas também não tinha ido trabalhar aquela manhã, mas, diferentemente de mim, sem dar aviso. De qualquer forma, não era problema meu.

Como tinha passado a manhã dormindo, decidi que novamente estaria lá de madrugada fazendo “cerão” no estúdio.

Quando era pouco mais das oito horas, Lucas apareceu. Estava bastante apressado, e mal respondeu à minha pergunta de onde ele estivera aquele dia. Apenas entrou na sua sala, abriu algumas gavetas, pegou algumas coisas e foi embora, dizendo apenas que talvez não aparecesse pro trabalho no dia seguinte. Quando olhei na janela, percebi que tinha uma mulher no seu carro. Então era isso que ele estivera fazendo o dia todo... Tudo bem, não posso culpar o rapaz...

Àquela altura da noite só estava eu no estúdio. Eu não conseguia parar de pensar naquela estranha garota. Mas com o tempo o trabalho foi me absorvendo e quando me dei conta já estava bem tarde, e resolvi ir pra casa.

E cheguei e dormi. E tive um dos sonhos mais estranhos da minha vida.

Estava andando sem rumo por uma floresta, quando ouvi a voz de alguém me chamando. Corri em direção à voz e fui parar numa enorme clareira. No centro dessa clareira havia uma carta. Abri, mas dentro tinha apenas um desenho. Um desenho muito bonito, de uma enorme metrópole, e, no centro de uma grande avenida estava uma árvore. Uma árvore gigantesca, que se mantinha grandiosa em meio ao caos urbano. Quando olhei a minha volta, era eu quem estava no meio da metrópole. Os carros passando numa velocidade incrível à minha direita e esquerda, um buzinaço irritante nos meus ouvidos, os carros expelindo seus poluentes, transformando o ar numa densidão cinza. Pessoas berrando. Indigentes me pedindo esmola sem parar. Já não agüentava mais. Sentia vontade de gritar. Mas não conseguia, não tinha forças. De alguma forma aquele caos urbano havia me roubado todas as energias. E desesperado olhei para baixo, e vi a semente da árvore, resistindo bravamente a tudo aquilo.

Acordei. Meu travesseiro ensopado de suor. Meu coração batendo num ritmo alucinante. Já era meio-dia, mas estava tão cansado que parecia que não tinha dormido. E foi quando me dei conta. Eu já tinha visto aquela árvore. Tinha visto ela num desenho de Lucas, que ele tinha feito na época em que nós éramos crianças.

 

Escrito por Felipe Duccini
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