Os Ritos de Taiguará



Capítulo XII - Lembranças da Chuva

A forte chuva não cessava. Estávamos todos assustados com os relâmpagos. Nós seis, na minha casa, com os ouvidos tapados, a não ser por Lucas que permanecia na janela fascinado olhando os relâmpagos, e sem se importar com as ensurdecedoras trovoadas. Fazia pouco mais de dois anos daquele sumiço de Lucas, e ele havia mudado muito. Mas o que mais nos chamava a atenção era essa paixão que ele tinha desenvolvido pelas forças da natureza. Tal paixão era refletida nos seus desenhos, repletos de belas paisagens, pacientemente esboçadas. Lucas era capaz de passar horas debatendo sobre como age um furacão, por exemplo, mas perdia praticamente todo o interesse quando o assunto era algo mais normal para alguém da nossa idade, tipo futebol ou programa de TV.

Naquele dia estávamos reunidos fazendo um trabalho escolar, e a chuva apenas veio para atrapalhar tudo, a não ser para Lucas. Aos poucos, a chuva foi passando, e dessa maneira ficamos sossegados. Aquela não foi a primeira, nem a última vez que via Lucas se comportar daquela forma, e sempre quando ele não estava por perto, nós comentávamos uns com os outros sobre o que se passava com ele. Mas ninguém tinha coragem de perguntar-lhe pessoalmente. Apenas eu de vez em quando conversava com ele e me atrevia a perguntar algumas coisas, mas ele sempre respondia vagamente, como se nem ele mesmo soubesse porque agia daquela maneira.

Era interessante de se notar também, que a Aline parecia compreender Lucas melhor do que nós. Não sei se isso tem a ver com a experiência dela, naquela tarde quando ambos se perderam além da casa destruída. Mas é fato que quando falávamos sobre Lucas ela ficava quieta, e fingia não mostrar interesse pela conversa.

Eventualmente acabamos nos acostumando, e com o passar do tempo o comportamento estranho de Lucas já não era de tanta importância. E assim foi por todos os anos seguintes, até chegar a época em que fiz essa viagem maldita para Taiguará.

Acordei assustado. Um forte trovão havia me despertado no meio daquela madrugada. Deitada ao meu lado, Natasha dormia tranqüilamente, como se a muito tempo não tivesse descansado. Fiquei por uns minutos olhando para o seu belo rosto. Gostaria que aquilo durasse para sempre, mas já naquele momento me dava conta que seria muito difícil as coisas transcorrerem tranqüilamente se permanecêssemos em Taiguará.

Depois de certo tempo ela acordou também, e ficamos ali conversando até o amanhecer. Contei a ela sobre o meu passado, e ela contou-me o seu. Isto é, contou-me um pouco do seu, já que ela evitava dizer-me qual o verdadeiro envolvimento da família dela nisso a que eles chamavam de culto.

De qualquer forma fiquei sabendo que a família dela era a mais antiga e enraizada à Taiguará. Os pais de Natasha possuíam uma influência incrível na vida da cidade. Maior do que eu imaginava. E exatamente por esse motivo eles vinham enfrentando problemas. Haviam pessoas interessadas em compartilhar de todo esse prestígio. Pessoas que pressionavam os Pereira a tomar certas decisões. Pessoas que queriam maior participação em certas atividades da região. Eu tinha certeza, apesar da Natasha não mencionar, que ela se referia ao culto.

Perguntei a ela sobre o que tinha ocorrido ao seu irmão. Falei que a história de que ele havia morrido devido à picada de uma cobra era estranha. Ela respirou fundo, e apenas me disse:

- Está vendo porque eu não queria que você se envolvesse.

Eu a beijei e a abracei forte.

- Eu quis me envolver, e graças a Deus que fiz isso.

Naquele momento deveriam ser umas sete horas da manhã. A chuva finalmente havia passado e o cantar dos pássaros ia anunciando uma manhã que, afinal de contas, parecia ser bastante agradável. Não fosse pelo fato de que eu precisava trabalhar.

Natasha olhou pela janela, e vendo que a chuva havia passado, disse baixinho:

- Finalmente terminaram.

Eu fiquei meio sem entender, mas quando fui perguntar a ela o que queria dizer, ela me interrompeu e disse-me que precisava voltar para casa.

Tivemos que esperar um pouco, afinal eu ainda precisava buscar o meu carro que havia sido concertado. O serviço que o mecânico havia feito não era nenhuma obra de arte, mas não posso culpá-lo, afinal o “acidente” que eu havia sofrido tinha sido considerável.

No caminho comentei à ela sobre o estranho comportamento de Lucas em relação às chuvas e outro fenômenos naturais. E nesse momento ela me disse:

- Felipe, eu sei onde Lucas está.

Naquela manhã não fui ao trabalho, tão pouco Natasha voltou para casa. Fomos ao encontro de Lucas, e dessa maneira, os mistérios de Taiguará foram ficando mais claros para mim, à medida que eu ia cada vez mais me envolvendo com o culto.

Escrito por Felipe Duccini
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