Os Ritos de Taiguará



Capítulo I - Natasha

Mal sabia eu o tamanho do erro de ter me envolvido com aquelas pessoas. Amaldiçôo o dia em que resolvi me mudar para este lugar nojento, com seus habitantezinhos vis e corruptos. E mais do que tudo, choro de infelicidade por ter conhecido ela...

A cidade de Taiguará ficava bem no interior do Oeste Paulista, a uns 400 km da capital. Era uma cidade tipicamente interiorana, com um povo bastante hospitaleiro, carregado no sotaque, e extremamente curioso. Eu vinha trabalhando como assistente em um pequeno estúdio de desenho, criado por um velho amigo meu, Lucas. Ops, acho que esqueci de me apresentar não é mesmo? Meu nome é Felipe, e nesta época estava com 22 anos. Havia chegado em Taiguará a cerca de 6 meses, e aos poucos vinha me adaptando a essa vida tão diferente que é a do interior paulista, se comparada à frenética vivência da capital. Você pode perguntar porquê eu tinha optado por uma carreira numa pequena cidade, sem nenhuma grande perspectiva profissional, ao invés de viver em uma grande metrópole, de grandes possibilidades. Bem, os motivos são vários; primeiro, não é tão fácil assim se manter em São Paulo, a concorrência é grande, o custo de vida alto, e várias outras coisas. Segundo, esta oportunidade que me tinha surgido, apesar de ser numa cidade pequena, era muito boa. Terceiro, era um grande amigo meu o dono desse estúdio, e eu sei que ele nunca me deixaria na mão. E some a tudo isto o meu já perfeitamente adquirido “stress urbano” e pronto. Interior aqui vou eu (ou melhor, aqui fui eu).

E como era esse estúdio? Bem, como qualquer estúdio de desenho que se preze os seus funcionários trabalhavam como loucos. Os trabalhos chegavam com bastante freqüência, o que era muito bom, mas o que também era extremamente desgastante para um lugar com tão poucos profissionais empregados. Eu particularmente vinha sofrendo bastante, nunca tinha experimentado essa rotina de trabalho tão desgastante, mas aos poucos ia pegando o ritmo.

Ok, isto é tudo o que importava ser dito sobre a minha rotina de trabalho. Minha vida não era das mais emocionantes. Ainda era relativamente novo na cidade, e sou bastante tímido para rapidamente já estar relacionado com outras pessoas. De fato, a minha vida era tão entediante que várias vezes madrugava no estúdio, fazendo alguns trabalhos extras, já que não teria mais o que fazer mesmo.

Foi numa dessas “noitadas” que me aconteceu algo estranho, algo deliciosamente estranho, e que na época parecia apenas ser uma daquelas coincidências que de vez em quando acontece na vida de qualquer um. Mal sabia eu o quanto estava errado... Estava eu lá, na minha prancheta, quando me vi em apuros. O café havia acabado!! A perspectiva de passar uma madrugada inteira de trabalho sem algumas xícaras de café simplesmente não existe na minha cabeça.

Saí do estúdio, tranquei a porta, entrei no meu carro, e segui a procura de um posto de conveniência a fim de alimentar meu “vício”. Claro que numa cidade tão pequena não existem lojas de conveniência, então tive de ir até um pequeno estabelecimento de beira de estrada. Quando estava voltando para o estúdio, vi algo que me chamou a atenção. Andando sozinha, no canto da estrada, havia uma garota cabisbaixa, caminhando lentamente. Passei devagarzinho do lado dela e percebi que ela tremia de frio. Bem, se fosse em São Paulo eu já estaria a no mínimo uns 400 metros de distância dela, temendo algum assalto ou algo assim, mas numa cidade do interior... não haveria perigo, certo?

Parei o carro ao lado dela e perguntei se ela precisava de carona. Ela levantou o rosto, e nesse momento pude ver o seu belo rosto, com um ar triste que rapidamente me cativou. Ela, sem falar absolutamente nada, entrou no carro.

Acho que demorou uns 5 minutos pra eu vencer a minha timidez e falar algo pra ela, afinal de contas, eu precisava saber pra onde ela estava indo. Ela olhou pra mim, e após alguns instantes disse: “Acho que devo ir pra minha casa. Por favor, siga aquela estrada adiante.” Na hora achei bem estranha a coincidência de ser a “estrada adiante” o caminho da casa dela, mas, como já disse, são aquelas coisas estranhas que acontecem na sua vida e praticamente passam despercebidas. A “estrada adiante” era uma estrada mesmo, isto é, de terra batida. Se eu estivesse correndo estaria levantando a maior poeira, mas, veja bem, não estava com muita pressa...

“Qual é o seu nome?” – a pergunta dela me surpreendeu. E aos poucos, meio que desajeitadamente começamos a conversar. E assim foi até que, 20 minutos após ter pego essa estrada, avistei uma velha casa de dois andares, no lado direito da estrada, com algumas luzes acesas nos andares superiores. Essa casa estava a uns 80 metros da estrada, seguindo por uma estreita e esburacada via aberta em meio aos matagais de beira de estrada. Parei o carro. Ela sorriu e me agradeceu. Me ofereci para acompanhá-la, mas ela, demonstrando um certo medo controlado em seu belo rosto, disse que não era necessário. E foi embora, mas não sem após ter dado uns 4 passos, virar-se e me dizer seu nome. Natasha. E disse que esperava que nos encontrássemos de novo.

Ela era realmente muito bonita, mas tudo aquilo era estranho demais pra mim, quer dizer, aquela casa realmente assustava. Eu era um cara da cidade grande oras. Sabia que a coisa mais sensata seria não voltar mais lá. Claro que no dia seguinte faltei ao trabalho e segui rumo a casa dela.

Escrito por Felipe Duccini
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